sexta-feira, 1 de abril de 2011

Cristianismo 9

Livro de Tobias 1,1.2.2,1-9.
Livro da história de Tobite, filho de Tobiel, filho de Ananiel, filho de Aduel, filho de Gabael, filho de Rafael, filho de Raguel da descendência de Assiel, da tribo de Neftali, o qual, no tempo de Salmanasar, rei da Assíria, foi levado cativo de Tisbé, que fica à direita de Cadés de Neftali, na Galileia Setentrional, acima de Hassor, do outro lado do caminho do Poente, à esquerda de Fogor. Sob o reinado do rei Saquerdão, voltei para a minha casa e foi-me restituída a companhia da minha mulher Ana e do meu filho Tobias. Pela festa do Pentecostes, que é a nossa festa das Semanas, mandei preparar um bom almoço e reclinei-me para comer. mas ao ver a mesa coberta com tantas comidas finas, disse a Tobias: «Filho, vai procurar, entre os nossos irmãos cativos em Nínive, um pobre que seja de coração fiel e trá-lo para que participe da nossa refeição. Eu espero por ti, meu filho.» Tobias saiu à procura de um pobre entre os nossos irmãos. Ao regressar disse: «Pai.» Eu respondi: «Eis-me aqui, meu filho.» Tobias continuou: «Pai, alguém da nossa linhagem está morto na praça pública onde o estrangularam.» Levantei-me então sem nada ter comido e levei o cadáver da praça para um casebre, esperando o pôr-do-sol para o poder sepultar. A seguir, voltei, lavei-me e almocei com tristeza, recordando-me das palavras do profeta Amós, ditas sobre Betel: «As vossas festas converter-se-ão em luto e os vossos cantos, em lamentações.» E eu chorei. Quando mais tarde o sol se pôs, saí, cavei uma cova e sepultei-o. Os meus vizinhos, porém, zombavam de mim, dizendo: «Ainda agora não tem medo. Já o procuraram para o matar por causa disso e teve de fugir; contudo, ei-lo de novo a sepultar os mortos.» Naquela mesma noite, depois de ter enterrado o cadáver, lavei-me, entrei no pátio da casa e deitei-me junto do muro, deixando a face descoberta por causa do calor.

Livro de Salmos 112(111),1-2.3-4.5-6.
Feliz o homem que teme o SENHOR
e se compraz nos Seus mandamentos.
A sua descendência será poderosa sobre a Terra,
e bendita a geração dos justos.

Haverá na sua casa abundância e riqueza
e a sua prosperidade durará para sempre.
Brilha para os homens rectos como luz nas trevas:
ele é piedoso, clemente e compassivo.

Feliz o homem que se compadece e empresta
e administra os seus bens com justiça.
Este jamais sucumbirá. O justo deixará memória eterna.

Evangelho segundo S. Marcos 12,1-12.
Jesus Cristo começou a falar-lhes em parábolas: «Um homem (Deus) plantou uma vinha (seres humanos), cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e construiu uma torre. Depois, arrendou-a a uns vinhateiros (responsáveis pela Igreja) e partiu para longe. A seu tempo enviou aos vinhateiros um servo (um profeta), para receber deles parte do fruto da vinha. Eles, porém, prenderam-no, bateram-lhe e mandaram-no embora de mãos vazias. Enviou-lhes, novamente, outro servo (outro profeta). Também a este partiram a cabeça e cobriram de vexames. Enviou outro (outro profeta) e a este mataram-no; mandou ainda muitos outros (profetas) e bateram nuns e mataram outros. Já só lhe restava um filho (o Filho) muito amado. Enviou-o por último, pensando: 'Hão-de respeitar o meu filho’. Mas aqueles vinhateiros (responsáveis da Igreja) disseram uns aos outros: 'Este é o herdeiro. Vamos matá-lo e a herança será nossa (tudo o que a Igreja der, é para nosso proveito, é nosso)’. Apoderaram-se dele, mataram-no e lançaram-no fora da vinha (da Igreja). Que fará o dono da vinha (Deus)? Regressará e exterminará os vinhateiros e entregará a vinha a outros (responsáveis). Não lestes esta passagem da Escritura: A pedra que os construtores rejeitaram, tornou-se pedra angular. Tudo isto é obra do Senhor e é admirável aos nossos olhos?» Eles procuravam prendê-lo, mas temiam a multidão; tinham percebido bem que a parábola era para eles. E deixando-O, retiraram-se.

São Boaventura (1221-1274), franciscano, doutor da Igreja A vinha mística, c. 5, 4-5 (erradamente atribuído a São Bernardo)

«Eu sou a verdadeira vinha» (Jo 15, 1)
Doce Jesus, em que estado Te vejo! Tão doce e tão cheio de amor, quem Te condenou a uma morte tão amarga? Único Salvador das nossas feridas antigas, quem assim Te leva a sofrer essas feridas que, para além de serem tão cruéis, são tão ignominiosas? Doce vide, bom Jesus, eis o fruto que Te dá a Tua vinha. [...]
Até este dia das Tuas núpcias, esperaste pacientemente que ela produzisse uvas e ela não Te deu senão abrolhos (Is 5, 6). Coroou-Te de espinhos e cercou-te dos espinhos dos seus pecados. Como se tornou amarga, esta vinha que já não é Tua, mas que se tornou uma vinha estranha! Renegou-Te, gritando: «Não temos outro rei senão César!» (Jo 19, 15). Depois de Te terem expulsado da vinha, da Tua cidade e da Tua herança, estes vinhateiros deram-Te a morte; não de um só golpe, mas depois de Te terem afligido com o longo tormento da cruz e Te terem torturado com os ferimentos dos chicotes e dos cravos. [...] Senhor Jesus, [...] Tu próprio entregas a Tua alma à morte ─ ninguém Ta pode tirar, és Tu que a dás (Jo 10, 18). [...] Que troca admirável! O Rei dá-Se como escravo, Deus pelo homem, o Criador por aquele que criou, o Inocente pelos culpados.

Livro de Tobias 2,9-14.
Naquela mesma noite, depois de ter enterrado o cadáver, lavei-me, entrei no pátio da casa e deitei-me junto do muro, deixando a face descoberta por causa do calor. Não sabia que havia pássaros no muro por cima de mim e, tendo os olhos abertos, os pássaros deixaram cair nos meus olhos excremento quente, dando origem a umas manchas brancas. Procurei os médicos para me tratarem. Contudo, quanto mais me aplicavam medicamentos, mais se me cegavam os olhos por causa das escamas, até que perdi totalmente a vista. Fiquei cego quatro anos. Todos os meus irmãos se afligiam por minha causa e Aicar sustentou-me por dois anos, antes de partir para Elimaida. Nessa época, Ana, minha mulher, trabalhava em labores femininos, tecendo a lã que depois mandava aos patrões, recebendo em seguida o pagamento. Ora, no sétimo dia do mês de Distro, cortou o tecido que confeccionara e mandou-o aos que o tinham encomendado; estes pagaram-lhe o preço devido e ainda lhe ofereceram um cabrito pelo tecido. Quando o cabrito chegou a casa, começou a balir. Chamei, então, Ana e disse-lhe: «De onde veio este cabrito? Não terá sido furtado? Devolve-o aos seus donos porque não nos é lícito comer coisa alguma furtada.» Disse-me ela: «Foi-me dado de presente, além do meu salário.» Contudo, não acreditando nela, mandei que o devolvesse aos donos, envergonhando-me do seu procedimento. Porém, ela respondeu: «Onde estão as tuas esmolas? Onde estão as tuas boas obras? Aí tens, agora, o resultado.»

Livro de Salmos 112(111),1-2.7-8.9.
Feliz o homem que adora o SENHOR
e se compraz nos Seus mandamentos.
A Sua descendência será poderosa sobre
a Terra e bendita a geração dos justos.

Não tem receio das más notícias; o seu
coração está firme e confiante no SENHOR.
O seu coração está firme; por isso nada
teme e verá os seus opressores confundidos.

Reparte do que é seu com os pobres;
a sua generosidade subsistirá para sempre
e o seu poder crescerá em glória.

Evangelho segundo S. Marcos 12,13-17.
Em seguida, enviaram-lhe alguns fariseus e partidários de Herodes a fim de o apanharem em alguma palavra. Aproximando-se, disseram-lhe: «Mestre, sabemos que és sincero, que não te deixas influenciar por ninguém porque não olhas à condição das pessoas, mas ensinas o caminho de Deus segundo a verdade. Diz-nos, pois: é lícito ou não pagar tributo a César? Devemos pagar ou não?» Jesus Cristo, conhecendo-lhes a hipocrisia, respondeu: «Porque me tentais? Trazei-me um denário para Eu ver.» Trouxeram-lho e Ele perguntou: «De quem é esta imagem e a inscrição?» Responderam: «De César.» Jesus Cristo disse: «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.» E ficaram admirados com Ele.

Tertuliano (c. 155-c. 220), teólogo A Ressurreição dos mortos, 5-6
(a partir da trad. Sr Isabelle de la Source, Lire la Bible, t. 1, p. 21)

«De quem é esta imagem?»
Na constituição do mundo, «tudo foi feito pela Palavra de Deus e nada foi feito sem ela» (Jo 1, 3). Quando se trata de criar o homem (e a mulher), é igualmente a Palavra de Deus que opera, dado que «sem a Palavra de Deus nada foi feito». Deus, com efeito, disse primeiro esta palavra: «Façamos o homem». Mas para exprimir a superioridade desta criatura sobre todas as outras, Deus deu-lhe forma com a Sua própria mão; por isso, está dito que «Deus modelou o homem» (Gn 2, 7). [...]
«E Deus, diz a Escritura, modelou o homem com o barro da terra (celeste; isto é, não é por procriação sexual, mas por modelagem, acrescentando-lhe o sopro da vida).» Não era ainda senão barro e já a palavra «homem» é pronunciada. Que honra prodigiosa para o lodo, esse nada, a de ser tocado pelas mãos de Deus! Esse simples contacto não teria sido suficiente a Deus para formar o homem, sem mais nada? Mas, ao ver Deus trabalhar esta lama, compreende-se que se trata de uma obra extraordinária. As mãos de Deus trabalhavam, elas amassavam, esticavam, davam forma a esta lama, que não cessava de se enobrecer a cada impressão das mãos divinas. Imagina Deus ocupado, aplicado inteiramente nesta criação: mãos, espírito, actividade, conselho, sabedoria, providência, sobretudo o amor, orientavam o seu trabalho! É que através deste lodo que amassava, Deus entrevia já Jesus Cristo, que um dia seria homem como este lodo: Verbo feito carne como esta terra que tinha entre as mãos.
É este o sentido desta primeira palavra do Pai ao Seu Filho: «Façamos o homem à Nossa imagem e à Nossa semelhança» (Gn 1, 26). Deus modelou o homem segundo a imagem (semelhança; Deus é invisível) de Deus, quer dizer, segundo Cristo. [...] Portanto, este lodo que assumia a imagem de Jesus Cristo, tal como Ele se manifestaria na sua incarnação futura, não era somente obra de Deus, era também a fiança de Deus.

Livro de Joel 2,12-18.
Mas agora, diz o Senhor, convertei-vos a mim de todo o vosso coração com jejuns, com lágrimas, com gemidos. Rasgai os vossos corações e não as vossas vestes, convertei-vos ao Senhor, vosso Deus, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e rico em misericórdia. Quem sabe? Talvez Ele mude de ideia e volte atrás, deixando, ao passar, alguma bênção, para oferenda e libação ao Senhor vosso Deus! Tocai a trombeta em Sião, ordenai um jejum, proclamai uma reunião sagrada. Reuni o povo, purificai a assembleia, juntai os anciãos, congregai os pequeninos e os meninos de peito. Saia o esposo dos seus aposentos e a esposa do seu tálamo nupcial. Entre o pórtico e o altar chorem os sacerdotes e digam os ministros do Senhor: «Tem piedade do teu povo, Senhor, não transformes em ignomínia a tua herança para que ela não se torne o escárnio dos povos! Porque diriam: ‘Onde está o seu Deus?’» O Senhor encheu-se de zelo pelo seu país e teve compaixão do seu povo.

Livro de Salmos 51(50),3-4.5-6.12-13.14.17.
Tem compaixão de mim, ó Deus, pela Tua bondade;
pela Tua grande misericórdia, apaga o meu pecado.
Lava-me de toda a iniquidade;
purifica-me dos meus delitos.

Reconheço as minhas culpas e tenho sempre
diante de mim os meus pecados.
Contra Ti pequei, só contra Ti, fiz o mal
diante dos Teus olhos; por isso é justa a Tua
sentença e recto o Teu julgamento.

Cria em mim, ó Deus, um coração puro;
renova e dá firmeza ao meu espírito.
Não me afastes da Tua presença,
nem me prives do Teu santo espírito!

Dá-me de novo a alegria da Tua salvação
e sustenta-me com um espírito generoso.
Abre, Senhor, os meus lábios, para que
a minha boca possa anunciar o Teu louvor.

2ª Carta aos Coríntios 5,20-21.6,1-2.
É em nome de Jesus Cristo, portanto, que exercemos as funções de embaixadores e é Deus quem, por nosso intermédio, vos exorta. Em nome de Jesus Cristo suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus. Aquele que não havia conhecido o pecado, Deus o fez pecado por nós para que nos tornássemos, n'Ele, justiça de Deus. E como seus colaboradores, exortamo-vos a não receber em vão a graça de Deus. Pois Ele diz: No tempo favorável, ouvi-te e no dia da salvação, vim em teu auxílio. É este o tempo favorável, é este o dia da salvação.

Evangelho segundo S. Mateus 6,1-6.16-18.
«Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens para vos tornardes notados por eles; de outro modo, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está no Céu. Quando, pois, deres esmola, não permitas que toquem trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa. Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita a fim de que a tua esmola permaneça em segredo e teu Pai, que vê o oculto, há-de premiar-te.» «Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te. «E, quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto para que os outros vejam que eles jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que o teu jejum não seja conhecido dos homens, mas apenas do teu Pai que está presente no oculto e o teu Pai, que vê no oculto, há-de recompensar-te

São Pedro Crisólogo (c. 406-450), Bispo de Ravena, Doutor da Igreja Sermão 8; CCL 24, 59; PL 52, 208
(a partir da trad. Matthieu commenté, DDB 1985, p. 59 rev.)

Os exercícios da Quaresma: a esmola, a oração, o jejum
Meus irmãos, começamos hoje a grande viagem da Quaresma. Levemos, pois, no navio todas as nossas provisões de alimento e bebida, colocando sobre elas a misericórdia abundante de que teremos necessidade porque o nosso jejum tem fome, o nosso jejum tem sede se não se alimentar de bondade, se não se dessedentar com misericórdia. O nosso jejum tem frio, o nosso jejum desfalece se o velo da esmola não o cobrir, se a capa da compaixão não o envolver.
Irmãos, a misericórdia está para o jejum como a Primavera está para os solos: o suave vento primaveril faz florescer todos os rebentos nas planícies; a misericórdia do jejum faz brotar todas as nossas sementes até à floração, fá-las encherem-se de frutos até à colheita celeste. A bondade está para o jejum como o óleo está para o candeeiro. Tal como a matéria gorda do óleo alimenta a luz do candeeiro e, com tão pouco alimento o faz brilhar para o conforto de toda a noite assim a bondade faz o jejum resplandecer: lança raios até atingir o brilho pleno da continência. A esmola está para o jejum como o sol está para o dia: o esplendor do sol aumenta o brilho do dia, dissipa a obscuridade das nuvens; a esmola que acompanha o jejum santifica a santidade do mesmo e, graças à luz da bondade, remove dos nossos desejos tudo o que poderia ser mortífero. Em suma, a generosidade está para o jejum como o corpo está para a alma: quando a alma se retira do corpo, traz-lhe a morte; se a generosidade se afastar do jejum, é a morte deste.

Livro de Deuteronómio 30,15-20.
«Repara que coloco hoje diante de ti a vida e o bem, a morte e o mal. Assim ordeno-te hoje que ames (adores) o Senhor, teu Deus, que andes nos seus caminhos, que guardes os seus mandamentos, preceitos e sentenças. Assim viverás, multiplicar-te-ás e o Senhor, teu Deus, te abençoará na terra em que vais entrar para dela tomar posse. Mas se o teu coração se desviar e não escutares, se te deixares arrastar e adorares deuses (divindades; só há um Deus e o feminino é Rainha) estranhos e os servires, declaro-vos hoje que, sem dúvida, morrereis; os vossos dias não se prolongarão na Terra na qual ides entrar, passando o Jordão, para dela tomar posse.» «Tomo hoje por testemunhas contra vós o céu e a Terra; ponho diante de vós a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe a vida para viveres, tu e a tua descendência, amando o Senhor, teu Deus, escutando a sua voz e apegando-te a Ele porque Ele é a tua vida e prolongará os teus dias para habitares na terra, que o Senhor jurou que havia de dar a teus pais, Abraão, Isaac e Jacob.»

Livro de Salmos 1,1-2.3.4.6.
Feliz o homem que não segue o conselho dos ímpios,
nem se detém no caminho dos pecadores,
nem toma parte na reunião dos libertinos.

Antes põe o seu enlevo na lei do SENHOR
e nela medita dia e noite.
É como a árvore plantada à beira da água
corrente: dá fruto na estação própria
e a sua folhagem não murcha;
em tudo o que faz é bem sucedido.

Mas os ímpios não são assim!
São como a palha que o vento leva.
O SENHOR conhece o caminho dos justos,
mas o caminho dos ímpios conduz à perdição.

Evangelho segundo S. Lucas 9,22-25.
(...) e Jesus Cristo acrescentou: «O Filho do Homem tem de sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos doutores da Lei, tem de ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar.» Depois, dirigindo-se a todos, disse: «Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz (todos nós quando nascemos, trazemos uma cruz/destino/karma; o de Jesus Cristo foi a cruz de todas as nossas cruzes para nos abrir a Porta da Salvação; por isso passou por tudo o que passou. Quando uma criança vê Jesus Cristo crucificado numa sala de aula, está a olhar para Aquele que tomou a sua cruz para que ela pudesse ser feliz e não morrer, mas falecer um dia. Só merece, no mínimo, admiração e respeito), dia após dia, e siga-me. Pois, quem quiser salvar a sua vida há-de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por minha causa há-de salvá-la. Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, perdendo-se ou condenando-se a si mesmo?

Santo Anastácio de Antioquia, monge e depois patriarca de Antioquia, 549-570 e 593-599 Homilia 4 sobre a Paixão; PG 89, 1347 (a partir da trad. breviário)

O caminho que conduz Jesus Cristo à Sua Glória
«Eis que subimos a Jerusalém. O Filho do Homem será entregue nas mãos dos pagãos, dos sumos-sacerdotes e dos escribas para ser flagelado, humilhado e crucificado» (cf Mt 20,18). Ao dizer isto aos Seus discípulos, Jesus Cristo anunciava o que estava de acordo com a predições dos profetas, pois eles tinham previsto a Sua morte e que esta teria lugar em Jerusalém. [...] Compreendemos porque é que o Verbo de Deus que, de outra forma não sofreria, teve de suportar a Paixão porque o homem não podia ter sido salvo de outra forma. Só Ele o sabia assim como aqueles a quem Ele o revelara. De facto, Ele sabia tudo o que vem do Pai porque o «Espírito penetra até às profundezas dos mistérios divinos» (1Cor 2, 10).
«Era necessário que Jesus Cristo sofresse» (Lc 24, 26): era completamente impossível que a Paixão não tivesse acontecido, como Ele próprio afirmou quando chamou «lentos a acreditar» e «sem inteligência» àqueles que não sabiam que Jesus Cristo tinha de sofrer assim para entrar na Sua Glória (Lc 24, 25). De facto, Ele veio para salvar o Seu povo, renunciando à «glória que tinha junto do Pai antes do início do mundo» (Jo 17, 5). Esta salvação era a perfeição que devia concretizar-se pela Paixão e que será atribuída ao autor da nossa vida, segundo o ensinamento de São Paulo: «Ele foi o autor da nossa vida ao atingir a perfeição através dos Seus sofrimentos» (Heb 2, 10).
Vemos como a glória de Filho Único, da qual tinha sido afastado durante algum tempo em nosso favor, Lhe foi devolvida pela cruz na carne que Ele tinha adoptado. São João afirma-o de facto no seu Evangelho quando explica que foi sobre esta água que o Salvador disse que «brotaria como um rio do coração do crente. Ora, ao dizer isto, Ele falava do Espírito Santo que haviam de receber aqueles que acreditassem n'Ele. De facto, o Espírito Santo não tinha ainda sido dado porque Jesus Cristo não tinha entrado ainda na Sua glória» (Jo 7, 38-39). Aquilo a que Ele chama a Sua glória é a Sua morte na cruz. Esta é a razão pela qual o Senhor, quando rezava antes de padecer na cruz, pedia ao Pai para Lhe dar esta «glória que Ele tinha junto d'Ele antes do início do mundo».

Livro de Isaías 58,1-9.
Grita em voz alta, sem te cansares. Levanta a tua voz como uma trombeta. Denuncia ao meu povo as suas faltas, aos descendentes de Jacob, os seus pecados. Consultam-me dia após dia, mostram desejos de conhecer o Meu caminho como se fosse um povo que praticasse a justiça e não abandonasse a lei de Deus. Pedem-me sentenças justas, querem aproximar-se de Deus. Dizem-me: «Para quê jejuar, se vós não fazeis caso? Para quê humilhar-nos, se não prestais atenção?» É porque no dia do vosso jejum só cuidais dos vossos negócios e oprimis todos os vossos empregados. Jejuais entre rixas e disputas, dando bofetadas sem dó nem piedade. Não jejueis como tendes feito até hoje, se quereis que a vossa voz seja ouvida no alto. Acaso é esse o jejum que me agrada, no dia em que o homem se mortifica? Curvar a cabeça como um junco, deitar-se sobre saco e cinza? Podeis chamar a isto jejum e dia agradável ao SENHOR? O jejum que me agrada é este: libertar os que foram presos injustamente, livrá-los do jugo que levam às costas, pôr em liberdade os oprimidos, quebrar toda a espécie de opressão, repartir o teu pão com os esfomeados, dar abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus e não desprezar o teu irmão. Então a tua luz surgirá como a aurora e as tuas feridas não tardarão a cicatrizar-se. A tua justiça irá à tua frente e a glória do SENHOR atrás de ti. Então invocarás o SENHOR e Ele te atenderá, pedirás auxílio e te dirá: «Aqui estou!»

Livro de Salmos 51(50),3-4.5-6.18-19.
Tem compaixão de mim, ó Deus, pela Tua bondade;
pela Tua grande misericórdia, apaga o meu pecado.
Lava-me de toda a iniquidade;
purifica-me dos meus delitos.

Reconheço as minhas culpas e tenho sempre
diante de mim os meus pecados.
Contra Ti pequei, só contra Ti, fiz o mal
diante de Ti; por isso é justa a Tua
sentença e recto o Teu julgamento.

Não Te comprazes nos sacrifícios nem Te agrada
qualquer holocausto que eu Te ofereça.
O sacrifício agradável a Deus é o espírito contrito;
ó Deus, não desprezes um coração contrito e arrependido.

Evangelho segundo S. Mateus 9,14-15.
Depois foram ter com Ele os discípulos de João, dizendo: «Porque é que nós e os fariseus jejuamos e os teus discípulos não jejuam?» Jesus Cristo respondeu-lhes: «Porventura podem os convidados para as núpcias (Reino dos Céus) estar tristes, enquanto o esposo (o seu Responsável) está com eles? Porém, hão-de vir dias em que lhes será tirado o esposo e, então, hão-de jejuar (sofrer de tudo porque não têm entre si o Poder Divino).»

Papa Bento XVI Mensagem para a Quaresma de 2009 (trad. © Libreria Editrice Vaticana)

«Então, hão-de jejuar.»
No Novo Testamento, Jesus ressalta a razão profunda do jejum: [...] «Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus» (Mt 4, 4). O verdadeiro jejum tem portanto como finalidade comer o «verdadeiro alimento» que é fazer a vontade do Pai (cf. Jo 4, 34). Portanto, se Adão desobedeceu ao mandamento do Senhor «de não comer o fruto da árvore da ciência do bem e do mal», com o jejum o crente deseja submeter-se humildemente a Deus, confiando na Sua bondade e misericórdia. [...]
Nos nossos dias, a prática do jejum parece ter perdido um pouco do seu valor espiritual e ter adquirido antes, numa cultura marcada pela busca da satisfação material, o valor de uma medida terapêutica para a cura do próprio corpo. Jejuar sem dúvida é bom para o bem-estar, mas para os crentes é em primeiro lugar uma «terapia» para curar tudo o que os impede de se conformarem com a vontade de Deus. [...]
Com o jejum e com a oração permitimos que Ele venha saciar a fome mais profunda que vivemos no nosso íntimo: a fome e a sede de Deus. Ao mesmo tempo, o jejum ajuda-nos a tomar consciência da situação na qual vivem tantos irmãos nossos. Na sua Primeira Carta, São João admoesta: «Aquele que tiver bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o seu coração, como estará nele o amor de Deus?» (3, 17). Jejuar voluntariamente ajuda-nos a cultivar o estilo do Bom Samaritano, que se inclina e socorre o irmão que sofre. Escolhendo livremente privar-nos de algo para ajudar os outros, mostramos concretamente que o próximo em dificuldade não nos é indiferente. Precisamente para manter viva esta atitude de acolhimento e de atenção para com os irmãos, encorajo as paróquias e todas as outras comunidades a intensificar na Quaresma a prática do jejum pessoal e comunitário, cultivando de igual modo a escuta da Palavra de Deus, a oração e a esmola. Foi este, desde o início o estilo da comunidade cristã.

Livro de Génesis 2,7-9.3,1-7.
(...) então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e insuflou-lhe pelas narinas o sopro da vida e o homem transformou-se num ser vivo. Depois, o Senhor Deus plantou um jardim no Éden, ao oriente, e nele colocou o homem que tinha formado. O Senhor Deus fez brotar da terra toda a espécie de árvores agradáveis à vista e de saborosos frutos para comer; a árvore da Vida estava no meio do jardim assim como a árvore do conhecimento do bem e do mal. A serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o Senhor Deus fizera e disse à mulher: «É verdade ter-vos Deus proibido comer o fruto de alguma árvore do jardim?» A mulher respondeu-lhe: «Podemos comer o fruto das árvores do jardim; mas quanto ao fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: ‘Nunca o deveis comer, nem sequer tocar nele, pois, se o fizerdes, morrereis.’ A serpente retorquiu à mulher: ‘Não, não morrereis porque Deus sabe que, no dia em que o comerdes, abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus, ficareis a conhecer o bem e o mal’.» Vendo a mulher que o fruto da árvore devia ser bom para comer, pois era de atraente aspecto e precioso para esclarecer a inteligência, agarrou do fruto, comeu, deu dele também a seu marido, que estava junto dela e ele também comeu. Então, abriram-se os olhos aos dois e, reconhecendo que estavam nus, coseram folhas de figueira umas às outras e colocaram-nas, como se fossem cinturas, à volta dos rins.

Livro de Salmos 51(50),3-4.5-6.12-13.14.17.
Tem compaixão de mim, ó Deus, pela Tua bondade;
Não me afastes da Tua presença,
nem me prives do Teu santo espírito!

Dá-me de novo a alegria da Tua salvação
e sustenta-me com um espírito generoso.
Abre, Senhor, os meus lábios, para que
a minha boca possa anunciar o Teu louvor.

Carta aos Romanos 5,12-19.
Por isso tal como por um só homem entrou o pecado no mundo e, pelo pecado, a morte, assim a morte atingiu todos os homens, uma vez que todos pecaram... De facto, antes da Lei já existia o pecado no mundo; mas o pecado não é tido em conta quando não há lei (no coração; quando não se distingue o bem do mal; quando se faz mal sem intenção). Apesar disso, desde Adão até Moisés reinou a morte, mesmo sobre aqueles que não tinham pecado por uma transgressão idêntica à de Adão, que é figura daquele que havia de vir. Com efeito, o que se passa com o dom gratuito não é o mesmo que se passa com a falta. Se pela falta de um só todos morreram, com muito mais razão a graça de Deus, aquela graça oferecida por meio de um só homem, Jesus Cristo, foi a todos concedida em abundância. E também com o dom não acontece o mesmo que acontece com as consequências do pecado de um só. Com efeito, o julgamento, que partiu de um só (Adão), teve como resultado a condenação; enquanto que o dom gratuito (de Jesus Cristo), que partiu de muitas faltas, teve como resultado a justificação. De facto, se pela falta de um só e por meio de um só reinou a morte, com muito mais razão, por meio de um só, Jesus Cristo, hão-de reinar na vida aqueles que recebem em abundância a graça e o dom da justiça. Portanto, como pela falta de um só veio a condenação para todos os homens, assim também pela obra de justiça de um só veio para todos os homens a justificação que dá a vida. De facto, tal como pela desobediência de um só homem todos se tornaram pecadores, assim também pela obediência de um só todos se hão-de tornar justos.

Evangelho segundo S. Mateus 4,1-11.
Então, o Espírito conduziu Jesus Cristo ao deserto, a fim de ser tentado pelo diabo. Jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome. O tentador aproximou-se e disse-lhe: «Se Tu és o Filho de Deus, ordena que estas pedras se convertam em pães.» Respondeu-lhe Jesus Cristo: «Está escrito: Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.» Então o diabo conduziu-O à cidade santa e, colocando-O sobre o pináculo do templo, disse-lhe: «Se Tu és o Filho de Deus, lança-te daqui abaixo, pois está escrito: Dará a teu respeito ordens aos seus anjos; eles suster-te-ão nas suas mãos para que os teus pés não se firam nalguma pedra.» Disse-lhe Jesus Cristo: «Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus!» Em seguida, o diabo conduziu-o a um monte muito alto e, mostrando-lhe todos os reinos do mundo com a sua glória, disse-lhe: «Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares.» Respondeu-lhe Jesus Cristo: «Vai-te, Satanás, pois está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto.» Então, o diabo deixou-o e chegaram os anjos e serviram-n'O.

São Máximo de Turim (? - c. 420), bispo Sermão 16; PL 57, 561, CC Sermão 51, p. 206
(a partir da trad. Migne 1996, p. 85 rev.)

Alimentar-se da Palavra que sai da boca de Deus
O Salvador responde ao diabo: «Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus». O que quer dizer: «Não vive do pão deste mundo, nem do alimento material dos quais te serviste para enganar Adão, o primeiro homem, mas da Palavra de Deus, do Seu Verbo, que contém o alimento da vida celestial». Ora, o Verbo de Deus é Jesus Cristo Nosso Senhor, como diz o evangelista: «No princípio existia o Verbo (a voz); o Verbo estava em Deus» (Jo 1, 1). Por conseguinte, todo aquele que se alimenta da palavra de Jesus Cristo já não necessita de alimento terreno porque quem se renova com o pão do Senhor não pode desejar o pão deste mundo. Efectivamente, o Senhor tem o Seu próprio pão, ou melhor, o Salvador é Ele próprio pão, como nos ensina com estas palavras: «Eu sou o pão que desceu do Céu» (Jo 6, 41). É a este pão que o profeta chama «o pão que lhe robustece as forças» (Sl 103, 15).
Que me importa o pão que oferece o diabo, quando tenho o pão em que comungo com Jesus Cristo? Que me importa o alimento [...] por causa do qual o primeiro homem perdeu o Paraíso, Esaú o direito de primogenitura [...] (Gn 25, 29ss.), que designou Judas Iscariotes como traidor (Jo 13, 26ss.)? Com efeito, Adão perdeu o Paraíso devido ao alimento, Esaú perdeu o seu direito de primogenitura por um prato de lentilhas e Judas renunciou à sua condição de apóstolo por um punhado de moedas porque, no momento em que o tomou, deixou de ser apóstolo para se tornar traidor. [...] O alimento que devemos tomar é aquele que abre o caminho ao Salvador, não ao diabo, o que transforma quem o toma em proclamador da fé e não em traidor.
O Senhor tem razão em dizer, neste tempo de jejum, que é o Verbo de Deus que alimenta para nos ensinar que não devemos viver os nossos jejuns preocupados com o mundo, mas lendo os textos sagrados. Com efeito, o que se alimenta das Escrituras esquece a fome do corpo; o que se alimenta do Verbo celestial esquece a fome. Eis o alimento que alimenta a alma e alivia o faminto [...], que confere a vida eterna e afasta de nós as armadilhas das tentações do diabo. A leitura dos textos sagrados é vida como afirma o Senhor: «As palavras que vos disse são espírito e são vida» (Jo 6, 63).

Livro de Isaías 58,9-14.
Então invocarás o SENHOR e Ele te atenderá, pedirás auxílio e te dirá: «Aqui estou!» se repartires o teu pão com o faminto e matares a fome ao pobre, a tua luz brilhará na tua escuridão e as tuas trevas tornar-se-ão como o meio dia. O SENHOR te guiará constantemente, saciará a tua alma no árido deserto, dará vigor aos teus ossos. Serás como um jardim bem regado, como uma fonte de águas inesgotáveis. Reconstruirás ruínas antigas, levantarás sobre antigas fundações. Serás chamado: «Reparador de brechas, restaurador de casas em ruínas.» Se te abstiveres de trabalhar ao sábado, de te ocupares dos teus negócios no meu dia santo, se chamares ao sábado a tua delícia, consagrando-o à glória do SENHOR; se o solenizares, abstendo-te de viagens, de procurares os teus interesses e de tratares dos teus negócios; então encontrarás a tua felicidade no SENHOR. Far-te-ei desfilar sobre as alturas da Terra, alimentar-te-ei com a herança do teu pai Jacob. É o próprio SENHOR quem o diz!

Livro de Salmos 86(85),1-2.3-4.5-6.
Inclina-Te, SENHOR, e responde-me
porque estou triste e necessitado.
Protege a minha vida porque Te sou fiel;
salva o Teu servo que em Ti confia.

Senhor, tem compaixão de mim
que a Ti clamo todo o dia.
Alegra o espírito do Teu servo,
pois para Ti, Senhor, elevo a minha alma.

Porque Tu, Senhor, és bom e indulgente,
cheio de misericórdia para quantos Te invocam.
Senhor, ouve a minha oração,
atende os gritos da minha súplica.

Evangelho segundo S. Lucas 5,27-32.
Depois disto, Jesus Cristo saiu e viu um cobrador de impostos, chamado Levi, sentado no posto de cobrança. Disse-lhe: «Segue-me.» E ele, deixando tudo, levantou-se e seguiu-O. Levi ofereceu-lhe, em sua casa, um grande banquete e encontravam-se com eles, à mesa, grande número de cobradores de impostos e de outras pessoas. Os fariseus e os doutores da Lei murmuravam, dizendo aos discípulos: «Porque comeis e bebeis com os cobradores de impostos e com os pecadores?» Jesus Cristo tomou a palavra e disse-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os que estão doentes. Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores.»

Richard Rolle (c. 1300-1349), eremita inglês Canto de amor, 7 32 (a partir da trad. SC 168, p. 357/Orval rev.)

«Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores»
Jesus Cristo na cruz clama em alta voz. [...] Oferece a paz, dirige-se a ti, desejoso de te ver abraçar o amor [...]: Contempla isto, bem amado! Eu desposei a carne para ser capaz de nascer de uma mulher. Eu apresentei-Me aos pobres como o seu companheiro. Escolhi uma mãe humilde. Comi com publicanos. Os pecadores não Me inspiraram aversão. Suportei os perseguidores. Fiz a experiência do chicote e «rebaixei-Me a Mim mesmo até à morte e morte de cruz» (cf Fil 2, 8). «Que mais poderia Eu fazer [...] que não tenha feito?» (Is 5, 4) Abri o Meu lado à lança. Deixei que trespassassem as Minhas mãos e os Meus pés. Porque não olhas para o Meu corpo ensanguentado? Porque não dás atenção à Minha cabeça inclinada (Jo 19, 30)? Aceitei ser contado entre o número dos condenados e, submerso em sofrimentos, morri por ti para que tu vivesses para Mim. Se não te preocupas contigo, se não procuras libertar-te das teias da morte; pensa, pelo menos agora, em Mim que derramei por ti o tão precioso bálsamo do Meu próprio sangue. Olha-Me no momento da morte e detém essa tua tendência para o pecado. Sim, cessa de pecar: custaste-Me demasiado caro!
Por ti incarnei, por ti também nasci, por ti submeti-Me à Lei, por ti fui baptizado, menosprezado pelas injúrias, detido, amarrado, coberto de escarros, escarnecido, chicoteado, ferido, pregado à cruz, dessedentado com vinagre e, por último, imolado por ti. O Meu lado está aberto: agarra o Meu coração. Corre, abraça-Me: ofereço-te um beijo. Adquiri-te como parte da Minha herança de modo que nenhum outro te possuísse. Entrega-te todo inteiro a Mim, pois Eu entreguei-me todo inteiro a ti.

Levítico 19,1-2.11-18.
O Senhor disse a Moisés:
«Fala a toda a comunidade dos filhos de Israel e diz-lhes: ‘Sede santos porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo.
Não furtareis, não mentireis, nem enganareis em detrimento de um compatriota.
Não jurareis falso, em meu nome; desse modo profanareis o nome do vosso Deus. Eu sou o Senhor.
Não roubarás nem furtarás nada ao teu próximo; o salário do jornaleiro não passará a noite em teu poder até à manhã seguinte.
Não insultarás um surdo, não colocarás tropeços diante de um cego. Teme o teu Deus. Eu sou o Senhor.
Não cometerás injustiças nos julgamentos. Não prejudicarás o pobre nem serás complacente para com o poderoso. Julgarás o teu compatriota com imparcialidade.
Não semearás o mal no meio do teu povo. Não peças o sangue do teu próximo. Eu sou o Senhor.
Não odiarás o teu próximo no teu coração; mas repreende o teu compatriota para não caíres em pecado por causa dele.
Não te vingarás nem guardarás rancor aos filhos do teu povo, mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor.

Salmos 19,8.9.10.15.
A lei do SENHOR é perfeita, reconforta o espírito;
as ordens do SENHOR são firmes,
dão sabedoria ao homem simples.

Os mandamentos do SENHOR são rectos, alegram o coração;
os preceitos do SENHOR são claros, iluminam os olhos.
O Amor do SENHOR é puro, permanece para sempre.
As sentenças do SENHOR são verdadeiras, todas elas são justas.

Aceita, com bondade, as palavras da minha boca
e estejam na Tua presença os murmúrios do meu
coração, ó SENHOR, meu refúgio e meu libertador.

Mateus 25,31-46.
«Quando o Filho do Homem vier na Sua glória, acompanhado por todos os Seus anjos, há-de sentar-se no Seu trono de glória.
Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e
Ele separará as pessoas umas das outras como o pastor separa as ovelhas dos cabritos.
À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos.
O Rei dirá, então, aos da sua direita:
'Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo.
Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me,
estava nu e destes-me de vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.’

Então, os
justos vão responder-lhe: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer ou com sede e te demos de beber?
Quando te vimos peregrino e te recolhemos ou nu e te vestimos?
E quando te vimos doente ou na prisão e fomos visitar-te?’
E o Rei vai dizer-lhes em resposta:
'Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos a mim mesmo o fizestes.’
Em seguida dirá aos da esquerda:
'Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno que está preparado para o diabo e para os seus anjos!
Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber,
era peregrino e não me recolhestes, estava nu e não me vestistes, doente e na prisão e não fostes visitar-me.’

Por sua vez, eles perguntarão:
'Quando foi que te vimos com fome ou com sede ou peregrino ou nu ou doente ou na prisão e não te socorremos?’
Ele responderá, então: 'Em verdade vos digo: Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer.’

Estes irão para o suplício eterno e os justos para a vida eterna.»

Homilia atribuída a Santo Hipólito de Roma (170?-235),
presbítero e mártir Tratado sobre o Fim do Mundo, 41-43; GCS I, 2, 305-307
(a partir da trad. Delhougne, Les Pères Commentent, p. 159)

«Vinde, benditos de Meu Pai!»
«Vinde, benditos de meu Pai, recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Vinde, vós que tendes amado os pobres e os imigrantes. Vinde, vós que tendes sido fiéis ao Meu amor, a Mim que sou o amor. [...] Eis que o Meu Reino está preparado e o Meu céu aberto e que a Minha imortalidade aparece em todo o seu esplendor. Vinde todos e recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo.»
Então — que maravilha! — os justos surpreender-se-ão por serem convidados a aproximar-se como amigos d'Aquele que as hostes angélicas não podem sequer ver com clareza e inquirirão junto d'Ele com voz decidida: «Senhor, quando foi que Te vimos? Tu tinhas fome e nós demos-Te de comer? Mestre, Tu tinhas sede e nós demos-Te de beber? Estavas nu e nós vestimos-Te? A Ti, que nós veneramos? A Ti, o Imortal, quando Te vimos nós peregrino e Te recolhemos? A Ti, que amas os homens, quando Te vimos nós doente ou na prisão e Te visitámos? Tu és o Eterno. Tu não tens começo, és um com o Pai e co-eterno com o Espírito. Tu criaste tudo do nada, Tu, o Rei dos Anjos, a quem os abismos temem. Tu tens por manto a luz (Sl 104 (103), 2). Tu fizeste-nos e modelaste-nos da terra (Gn 2, 7); Tu, que criaste os seres invisíveis. A Terra inteira foge para longe da Tua face (Ap 20, 11). Como acolhemos nós a Tua realeza e soberania?»
E o Rei dos reis lhes responderá: «Sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes. Sempre que acolhestes e vestistes todos estes pobres de que falei e lhes destes de comer e de beber, a eles que são Meus membros (1Cor 12, 12), a Mim mesmo o fizestes. Mas vinde para o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Desfrutareis eternamente dos bens de Meu Pai que está nos céus e do Santíssimo Espírito que dá a vida».
E que língua poderá então descrever tais benefícios? «Nem os olhos viram, nem os ouvidos escutaram, nem jamais passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que O amam» (1Cor 2, 9).

Isaías 55,10-11.
Assim como a chuva e a neve descem do céu e não voltam mais para lá senão depois de empapar a terra, de a fecundar e fazer germinar para que dê semente ao semeador e pão para comer,
o mesmo sucede à palavra que sai da minha boca: não voltará para mim vazia, sem ter realizado a minha vontade e sem cumprir a sua missão.

Salmos 34(33),4-5.6-7.16-17.18-19.
Enaltecei comigo o SENHOR;
exaltemos juntos o Seu nome.
Procurei o SENHOR e Ele respondeu-me,
livrou-me de todos os meus temores.

Aqueles que O contemplam ficam radiantes,
não ficarão de semblante abatido.
Quando um pobre invoca o SENHOR,
Ele atende-o e liberta-o das suas angústias.

O SENHOR está voltado para os justos
e está atento ao seu clamor.
A ira do SENHOR volta-se contra os malfeitores
para apagar da terra a sua memória.

Os justos clamaram e o SENHOR atendeu-os
e livrou-os das suas angústias.
O SENHOR está perto dos corações contritos
e salva os espíritos abatidos.

Mateus 6,7-15.
Nas vossas orações, não sejais como os gentios que usam de vãs repetições porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos.
Não façais como eles porque o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de vós lho pedirdes.»
«Rezai, pois, assim:'Pai nosso, que estás no Céu,
santificado seja o Teu nome, venha o Teu Reino;
faça-se a Tua vontade, como no Céu assim também na Terra.
Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia;
perdoa as nossas ofensas como nós perdoámos a quem nos tem ofendido;
não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do Mal.’
Porque, se perdoardes aos homens (e mulheres) as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós.
Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas.»

Bem aventurada Teresa de Calcutá (1910-1997),
fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade
Oração:
Frescura de uma Fonte com o Ir. Roger de Taizé (trad. Isabel Figueiredo e Silva) cap.11, pp. 69-70.

«Pai Nosso»
Só há uma voz que se eleva à face da terra: a voz de Jesus Cristo. Esta voz reúne e coordena, em Si mesma, todas as vozes que se elevam em oração. Rezar: muitas pessoas não sabem como fazer. Muitas não ousam fazê-lo e muitas não o querem fazer. Na comunhão dos santos, nós agimos e rezamos por elas.
Rezamos em nome daqueles que não rezam. A oração deveria tornar-se a nossa «profissão». Os Apóstolos compreenderam-no na perfeição: quando se aperceberam de que se arriscavam a perder-se na multiplicidade de actividades, decidiram dedicar-se à oração contínua e ao ministério da Palavra (Act 6, 4). [...]
[Deus] permite que falhemos, mas não quer o desânimo. Quer que sejamos cada vez mais como crianças, mais humildes, mais reconhecidos na oração e que não tentemos rezar sós, pois todos pertencemos ao Corpo místico de Jesus Cristo, que está sempre em oração. Não se trata de «eu rezo» mas de, em mim e comigo, Jesus Cristo rezar e, assim, é o Corpo de Jesus Cristo que reza.